Medicalização Infantil
Desde
a década de 70, fala-se em medicalização e, com o passar dos anos, mais problemas
foram sendo incorporados ao campo médico. Assim, seria muita ilusão pensarmos
que a medicalização traz consigo somente aspectos negativo, já que a sociedade
a aceita há muito tempo. No entanto, não podemos negar que existe uma supervalorização
de determinados diagnósticos, o que faz que muitas pessoas normais sejam
diagnosticadas com transtornos mentais, por exemplo.
Precisamos
considerar que grupos sociais criam regras e impõem suas definições de
normalidade ou não criando padrões que precisam da aprovação social. Se
considerarmos a Infância, é possível observarmos que grande parte dos desvios
ocorridos nessa época da vida são notados primeiramente na escola (onde a criança passa grande parte do tempo) a
partir do momento em que os pequenos desenvolvem algum problema de aprendizagem
.
Podemos pontuar alguns
desvios da infância, relacionados às quebras de normas e de regras impostas socialmente,
como a falta de atenção e a agitação em sala de aula. Mas nem sempre foi assim,
já que até alguns anos atrás, os problemas escolares eram resolvido na escola
ou na rotina familiar. Contudo, escolares
que são mais ativos, agitados e que são pouco atentos são considerados um
problema para pais e professores. A diferença está no fato de a maioria das
pessoas acreditar que esses comportamentos sejam sintomas de um transtorno
mental tratável com medicamentos.
De malvados,
irresponsáveis, preguiçosos, mal-educados, dentre outros atributos, os
indivíduos passaram a ser considerados doentes e não mais culpados por seus
comportamentos. A correção desse
comportamento deveria ser mais terapêutica do que punitiva. Conferir aos
sofrimentos humanos o estatuto de doença, nos casos das crianças, poder ser uma
forma de libertação de seus estigmas morais de maus comportamento, desatenção e
preguiça, dentre outros. Além disso, essa forma de abordagem permite que muitas
crianças que recebiam castigos diários
ou que ate mesmo eram expulsa da
escola continuassem estudando. As facilidades em tomar uma pílula, em vez de
enfrentar medos e situação não muito agradáveis, fazem com que muitas pessoas
busquem o tratamento medicamentoso, com a promessa de alivio para suas dores e
conflitos.
Mãe
de crianças com TDAH, apesar de não gostarem de dar o medicamento psicotrópico
para o filho, o fazem primeiramente, por ser uma recomendação medica, portanto,
indiscutível. Em segundo lugar, existe uma pressão por parte da escola para que
essa criança receba uma avaliação e um acompanhamento medica. Por fim, existe
ainda uma preocupação da adequação de seus filhos na sociedade, para que eles
possam ter a mesma oportunidade que os demais.
Se
considerarmos especificamente a escola, a medicalização dos processos de
aprendizagem pode representar uma ajuda em sala de aula, pois resulta em
crianças mais calmas e concentradas. Se existe a suspeita de algum transtorno
mental e a criança é encaminhada para uma avaliação médica e se a suspeita for
confirmada, a responsabilidade por aquela criança passa a não pertencer somente
à escola, mas também aos profissionais que passarão a atendê-la. Quando uma
criança encaminhada retorna à escola com um
diagnóstico, ocorre uma mudança na forma de lidar com essa criança. Parece que
o próprio diagnóstico gera um tipo de compreensão que estava até então ausente.
Diante de tudo isso, a busca por soluções mais
fáceis, o diagnóstico equivocado e a incompreensão dos pais sobre a agitação
natural das crianças elevou o Brasil ao posto de segundo maior consumidor de Ritalina do mundo, perdendo
apenas para os Estados Unidos. Esta informação do Instituto Brasileiro de
Defesa dos Usuários de Medicamentos (2017) é alarmante. Ritalina é o nome
comercial do metilfenidato, medicamento prescrito para o tratamento do Transtorno
de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), cujos principais consumidores são
as crianças e os adolescentes.
Conforme dados da Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária), de 8% a 12% das crianças brasileiras foram
diagnosticadas com TDAH, e a suspeita dos pais de que os filhos tenham o
transtorno é o principal motivo que os leva aos médicos. Em 2010 foram vendidas
2,1 milhões de caixas de metilfenidato. Em 2013, foram 2,6 milhões.
As crianças com dificuldades de comportamento,
agitadas e irrequietas são vistas como doentes pelos profissionais da
psiquiatria biológica e da neurociência, e então eles receitam remédios. Como
consequência, temos um número elevadíssimo de crianças recebendo medicação, mas
sem se discutir se a ela é mesmo necessária ou se é a melhor forma de cuidado.
Além de causar dependência, a Ritalina provoca muitos outros efeitos
colaterais: as crianças emagrecem, têm insônia, podem ter dor de cabeça e enurese.
E, apesar de sua fama, é comprovado cientificamente que o trabalho de terapia,
de orientação e cuidado real com a criança dá muito mais resultado.
Começamos a passar para a criança a cultura de que
um comprimido resolve tudo na vida, de que não existe mais solução pelo
pensamento, pela conversa, pelo afeto e pela compreensão. O mundo todo é
agitado, as pessoas são desatenciosas umas com as outras, e as crianças é que
acabam tachadas de hiperativas. Tratar com drogas as crianças agitadas ou com
dificuldade de aprendizagem é deixar de questionar o método de ensino, o
consenso da escola, e a subjetividade da criança diante do aprendizado. É uma
atitude muito imediatista. O fato é que existem muitas crianças que, por trás
da agitação, estão submetidas à violência, ao abuso, ou à uma situação
psicopedagógica não adequada. Colocar tudo como sendo um problema do cérebro da
criança é muito antiético, é não levar em conta sofrimentos e as necessidades
que ela está expressando.
É claro que cada caso é um caso, existem crianças
realmente hiperativas e que precisam de um cuidado especial. Precisamos considerar
também têm muitas crianças e adolescentes medicados de maneira incorreta. Estamos
vivendo uma epidemia de transtornos, ou supostos transtornos. Então além dessa
medicalização excessiva, há uma falta de projetos terapêuticos para o
sofrimento psíquico na infância. Isso facilita a medicalização da infância,
pois sem equipes treinadas é mais fácil só dar o remédio.
O
numero elevado de crianças encaminhadas aos profissionais da saúde, muitas
delas diagnosticadas com TDAH, por exemplo, alerta para uma das consequências
de um excesso de medicalização dos comportamentos considerados anormais na
escola: tratar como patológicos comportamentos que, na realidade, são normais. E
quais as consequências disto? Podemos observar crianças justificando seu
comportamento por meio do transtorno, sua família e até ela mesma considerando-se
capaz de desempenhar determinas atividades apenas se estiver em tratamento, pode
fazer que o indivíduo medicalizado se torne dependente (não no sentido de
dependência física) do diagnostico, agindo apenas de acordo com o que se espera
dela como portadora do transtorno.
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