sexta-feira, 19 de maio de 2017

Medicalização Infantil: Um retrato da sociedade atual

Medicalização Infantil

Desde a década de 70, fala-se em medicalização e, com o passar dos anos, mais problemas foram sendo incorporados ao campo médico. Assim, seria muita ilusão pensarmos que a medicalização traz consigo somente aspectos negativo, já que a sociedade a aceita há muito tempo. No entanto, não podemos negar que existe uma supervalorização de determinados diagnósticos, o que faz que muitas pessoas normais sejam diagnosticadas com transtornos mentais, por exemplo.
Precisamos considerar que grupos sociais criam regras e impõem suas definições de normalidade ou não criando padrões que precisam da aprovação social.   Se considerarmos a Infância, é possível observarmos que grande parte dos desvios ocorridos nessa época da vida são notados primeiramente na escola  (onde a criança passa grande parte do tempo) a partir do momento em que os pequenos desenvolvem algum problema de aprendizagem .
Podemos pontuar alguns desvios da infância, relacionados às quebras de normas e de regras impostas socialmente, como a falta de atenção e a agitação em sala de aula. Mas nem sempre foi assim, já que até alguns anos atrás, os problemas escolares eram resolvido na escola ou na rotina familiar.  Contudo, escolares que são mais ativos, agitados e que são pouco atentos são considerados um problema para pais e professores. A diferença está no fato de a maioria das pessoas acreditar que esses comportamentos sejam sintomas de um transtorno mental tratável com medicamentos.
De malvados, irresponsáveis, preguiçosos, mal-educados, dentre outros atributos, os indivíduos passaram a ser considerados doentes e não mais culpados por seus comportamentos.  A correção desse comportamento deveria ser mais terapêutica do que punitiva. Conferir aos sofrimentos humanos o estatuto de doença, nos casos das crianças, poder ser uma forma de libertação de seus estigmas morais de maus comportamento, desatenção e preguiça, dentre outros. Além disso, essa forma de abordagem permite que muitas crianças que recebiam castigos diários  ou que ate mesmo  eram expulsa da escola continuassem estudando. As facilidades em tomar uma pílula, em vez de enfrentar medos e situação não muito agradáveis, fazem com que muitas pessoas busquem o tratamento medicamentoso, com a promessa de alivio para suas dores e conflitos.
Mãe de crianças com TDAH, apesar de não gostarem de dar o medicamento psicotrópico para o filho, o fazem primeiramente, por ser uma recomendação medica, portanto, indiscutível. Em segundo lugar, existe uma pressão por parte da escola para que essa criança receba uma avaliação e um acompanhamento medica. Por fim, existe ainda uma preocupação da adequação de seus filhos na sociedade, para que eles possam ter a mesma oportunidade que os demais.
Se considerarmos especificamente a escola, a medicalização dos processos de aprendizagem pode representar uma ajuda em sala de aula, pois resulta em crianças mais calmas e concentradas. Se existe a suspeita de algum transtorno mental e a criança é encaminhada para uma avaliação médica e se a suspeita for confirmada, a responsabilidade por aquela criança passa a não pertencer somente à escola, mas também aos profissionais que passarão a atendê-la. Quando uma criança encaminhada retorna à escola com um diagnóstico, ocorre uma mudança na forma de lidar com essa criança. Parece que o próprio diagnóstico gera um tipo de compreensão que estava até então ausente.
Diante de tudo isso, a busca por soluções mais fáceis, o diagnóstico equivocado e a incompreensão dos pais sobre a agitação natural das crianças elevou o Brasil ao posto de segundo maior  consumidor de Ritalina do mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos. Esta informação do Instituto Brasileiro de Defesa dos Usuários de Medicamentos (2017) é alarmante. Ritalina é o nome comercial do metilfenidato, medicamento prescrito para o tratamento do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), cujos principais consumidores são as crianças e os adolescentes.
Conforme dados da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), de 8% a 12% das crianças brasileiras foram diagnosticadas com TDAH, e a suspeita dos pais de que os filhos tenham o transtorno é o principal motivo que os leva aos médicos. Em 2010 foram vendidas 2,1 milhões de caixas de metilfenidato. Em 2013, foram 2,6 milhões.
As crianças com dificuldades de comportamento, agitadas e irrequietas são vistas como doentes pelos profissionais da psiquiatria biológica e da neurociência, e então eles receitam remédios. Como consequência, temos um número elevadíssimo de crianças recebendo medicação, mas sem se discutir se a ela é mesmo necessária ou se é a melhor forma de cuidado.
Além de causar dependência, a Ritalina provoca muitos outros efeitos colaterais: as crianças emagrecem, têm insônia, podem ter dor de cabeça e enurese. E, apesar de sua fama, é comprovado cientificamente que o trabalho de terapia, de orientação e cuidado real com a criança dá muito mais resultado.
Começamos a passar para a criança a cultura de que um comprimido resolve tudo na vida, de que não existe mais solução pelo pensamento, pela conversa, pelo afeto e pela compreensão. O mundo todo é agitado, as pessoas são desatenciosas umas com as outras, e as crianças é que acabam tachadas de hiperativas. Tratar com drogas as crianças agitadas ou com dificuldade de aprendizagem é deixar de questionar o método de ensino, o consenso da escola, e a subjetividade da criança diante do aprendizado. É uma atitude muito imediatista. O fato é que existem muitas crianças que, por trás da agitação, estão submetidas à violência, ao abuso, ou à uma situação psicopedagógica não adequada. Colocar tudo como sendo um problema do cérebro da criança é muito antiético, é não levar em conta sofrimentos e as necessidades que ela está expressando.
É claro que cada caso é um caso, existem crianças realmente hiperativas e que precisam de um cuidado especial. Precisamos considerar também têm muitas crianças e adolescentes medicados de maneira incorreta. Estamos vivendo uma epidemia de transtornos, ou supostos transtornos. Então além dessa medicalização excessiva, há uma falta de projetos terapêuticos para o sofrimento psíquico na infância. Isso facilita a medicalização da infância, pois sem equipes treinadas é mais fácil só dar o remédio.

O numero elevado de crianças encaminhadas aos profissionais da saúde, muitas delas diagnosticadas com TDAH, por exemplo, alerta para uma das consequências de um excesso de medicalização dos comportamentos considerados anormais na escola: tratar como patológicos comportamentos que, na realidade, são normais. E quais as consequências disto? Podemos observar crianças justificando seu comportamento por meio do transtorno, sua família e até ela mesma considerando-se capaz de desempenhar determinas atividades apenas se estiver em tratamento, pode fazer que o indivíduo medicalizado se torne dependente (não no sentido de dependência física) do diagnostico, agindo apenas de acordo com o que se espera dela como portadora do transtorno.

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