POR QUE AS CRIANÇAS CONTAM MENTIRAS?
Maria Carolina G. S. Lolli, Psicopedagoga
Se
você convive com crianças, deve concordar que às vezes elas passam dos limites
com tantas mentiras que contam... Isto é normal se considerarmos um
desenvolvimento cognitivo saudável. Ora, se até os adultos mentem para se auto
beneficiar, porque as crianças agiriam de outra maneira, não é mesmo? Ou você nunca viu uma
criança dizer que não bateu ou que não fez alguma coisa que você presenciou a
ação? Por esta razão, precisamos entender bem quais são os motivos pelos quais
os pequenos mentem para ajudá-los da maneira correta.
Entre os 2 aos 4 anos de idade, já que as habilidades da fala ainda não estão
totalmente desenvolvidas, as crianças não têm
ideia de onde começa ou termina a verdade. Nessa idade eles ainda têm uma grande dificuldade em discernir o que é realidade, sonhar acordado, sonhos, fantasias
e medos. Por exemplo, um momento de estresse pode fazer com que seu
filho de 2-3 anos insista que o irmão comeu o biscoito dele, quando este fato
não aconteceu. Nestes casos incite a dúvida perguntando: “É mesmo?” As
histórias infantis podem ser boas ferramentas para trabalhar desde cedo os conceitos
de certo e errado, além de uma ótima opção para passar momentos agradáveis com os pequenos.
Por volta dos 4 anos, os pequenos começam a verbalizar mais e podem dar respostas óbvias
e diretas com um sonoro “NÃO” para se beneficiarem. Por exemplo, ao serem perguntadas se bateram no irmão ou no animal de estimação, se quebraram algo, etc.Em resposta a uma mentira, é preciso que pais sejam firmes e que deixem bem claro que não estão convencidos do que foi dito. “Não me parece que você está dizendo a verdade” ou “Você tem certeza absoluta de que isso aconteceu”? Evite confrontar o seu filho ou exigir a verdade, a não ser que a situação seja séria e exija mais atenção. Use cada oportunidade que tiver para explicar que mentir não é bom. Mas
cuidado, esta conversa precisa ser direta e jamais pode ser longa.
Até os 5 anos, a criança ainda não é capaz de
estabelecer um limite entre a fantasia e
a realidade. Ela pode usar histórias
fantásticas e tratar, personagens de desenhos animados, fadas, bruxas e duendes como se pertencessem ao mundo
real. Mas se seu filho insistir sempre nas mesmas histórias, falando sobre
perigos, medos e perseguições, isto pode
servir de alerta e revelar uma angústia com a qual ele ainda não consegue conviver ou expressar.
Já por volta
dos 7 anos, a criança tem plena consciência do que é certo e errado e assim, pode
tentar usar de mentiras para manipular uma situação. Quando isto acontecer, os pais devem mostrar a importância do erro e dar à
criança a oportunidade de reparação. Caso isso não ocorra, existe o risco de ela
entender que não houve reação relacionada à sua ação e ainda sentir que levou
vantagem, já que conseguiu atingir seu objetivo
Até mais
ou menos os 8 anos de idade, as crianças ainda têm a necessidade de fantasiar. Por
esta razão elas não enxergam problemas em dizer o que não é real e inventam
inúmeros fatos e situações com muitos detalhes para satisfazer suas próprias
vontades ou para assegurar uma boa imagem para os outros e para si mesma. Isto
é em certo ponto até bom, já que está instigando a criança a desenvolver sua
memória e criatividade. No
entanto é preciso ensinar desde cedo que mentira é diferente de fantasia.
Veja: Os pequenos costumam
valorizar a sua própria imagem dizendo que moram em um castelo, que o pai comprou
5 carros importados, que foi até a Disney no final de semana. Quando isto
acontece, é preciso mostrar que esta invenção não se trata de algo real, ou
ainda que aquilo que ela disse não convenceu as pessoas do grupo. Como fazer
isso? Peça para que mostre as fotos dos carros, do castelo... Mas não esqueça de que é fundamental ter
paciência e compreender que isto é apenas uma fase. Por isto, não devemos
chamar a atenção ou dizer que é uma criança mentirosa na frente de colegas ou
de adultos, muito menos, fazer ameaças. No exemplo da viagem, pergunte por que ela
gostaria de ter ido para a Disney? Explore a situação.
Considerando ainda as crianças de 7, 8 e 9 anos anos, a mentira mais comum é a do tipo protetora, ou seja,
aquela usada para evitar uma punição ou por medo de desagradar. É
o caso, por exemplo, de quando a criança quebra um objeto e coloca a culpa no
irmão ou em algum amigo, porque tem receio de que os pais possam brigar com
ela. Neste caso, os adultos devem controlar seu nervosismo e simplesmente
pedir que a criança tome mais cuidado da próxima vez. Não é preciso brigar, se
exaltar, dar respostas abruptas nem castigos severos. Se os pais punirem a
criança, ela vai entender a mensagem que tem de elaborar melhor a mentira da
próxima vez, e não a de que não pode mentir.
É importante evitar “perguntas em forma de armadilha” já
que não é correto colocar as crianças em cheque! Por exemplo, se você sabe que
seu filho não devolveu um brinquedo para o amigo, ao invés questionar “Você
devolveu o brinquedo?” pergunte “Por que você não devolveu o brinquedo do
fulano?” É importante que as crianças entendam que quando mentimos, quebramos a
confiança que o outro tem em nós. Então, castigar não é a melhor alternativa,
já que não ensina o valor da verdade. Prefira conversar: “Fiquei incomodado com
o que você falou porque me senti enganado!” ou então, experimente perguntar à
criança se em outra situação vai poder continuar confiando nela e convide-a
para pensar no que poderia ter feito em vez de mentir. O diálogo é sempre a melhor opção para lidar
com as mentiras da infância. Assim, explicar que determinada atitude não é
correta e mostrar as consequências que a falta de verdade pode acarretar é a
postura que deve ser adotada pelos pais, independente da idade da criança.
Costumo dizer que se a criança não
receber a orientação adequada, ou seja, se os pais não ensinam que é errado
mentir ou se o fato “passa batido”, ela vai crescer com o hábito de enganar e
de por a culpa por seus atos em outras pessoas. Os pais devem ter um olhar de
desconfiança, questionar olho no olho e dizer, de maneira firme, que não é
legal mentir.
E quando seu filho exagera contando uma coisa grave, como
“minha professora bateu em mim”? Se isto acontecer é preciso dar mais atenção
às mentiras. Dizer para a criança que o que ela disse é muito sério...
Questione com serenidade se a afirmação foi só uma brincadeira, se ele está
bravo com a professora por algum motivo ou se ele está apenas enganado. Em
contrapartida, valorize a atitude corajosa de dizer a verdade – mesmo que seja
confessar uma arte ou uma nota baixa na escola.
É
válido dizer que para as crianças de até 8 anos, uma mentira grave é aquela que
ninguém acreditaria, um fato muito exagerado como dizer que viu uma formiga
carregando um carro! Eles não conseguem enxergar a
gravidade de dizer que o trabalho não é para amanhã, porque a professora
poderia mesmo ter mudado a data da entrega do trabalho.
Depois dos 8 anos, as crianças
começam a fazer experiências morais, contando mentiras para testar os pais. Já
a compreensão das consequências de mentir leva um pouco mais de tempo. As
crianças pensam de forma diferente dos adultos! Por todas estas razões, é importante elogiar e acolher os filhos
quando eles dizem a verdade, mesmo nas mais difíceis situações. E principalmente,
é preciso dar o exemplo! O pai não pode pedir ao filho que não conte para a mãe
que o viu fumando, por exemplo.
Tampouco, é correto fazer ameaças vazias como “papai do céu castiga quem
mente”, “seu nariz vai crescer, se você mentir”, “o coração da mamãe enxerga tudo o que você
faz de errado, ou sabe quando você está mentindo”. As crianças percebem logo
que nem todas as mentiras serão descobertas e que os adultos não têm poderes
mágicos.
Se as
mentiras se tornam frequentes, é melhor procurar o acompanhamento de um
psicólogo ou psicopedagogo. É comum que outros comportamentos, como baixa
sociabilidade e pouca tolerância à frustração, apareçam junto.
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